sexta-feira, 27 de maio de 2011

Como Fazer uma Novela das Seis

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1) Escolha um roteirista manjado, desses bem “água e sal”, e peça que crie um roteiro barato. Deve ser uma historinha bem básica, dessas em que a mocinha pobre e injustiçada conhece o cara rico e “bem-sucedido”; ou uma em que a empregadinha simpática e inteligente conquista o patrão viúvo, que insiste em ser fiel à falecida; ou qualquer adaptação ridícula de alguma história já contada.
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2) Não precisa inovar em nada. Sobre personagens, basta copiar. É muito aceitável repetir fórmulas que dão certo, como o matuto que joga os bobocas no barro, ou o fazendeiro rico e avarento, tirados de outras novelas de “sucesso”.
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3) De preferência, a ambientação deve se dar numa cidade pequena, com algumas personagens peculiares (sei lá: mendigos que escondem tesouros, guardas gagos, escravos puxa-sacos de senhores, e mulheres bonitas e misteriosas.
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4) De preferência, o espaço temporal deve variar entre 1910 e 1930 (recursos altamente usado hoje em dia (e já encheu o saco!)).
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5) As mocinhas devem sempre ser idealistas, virtuosas, delicadas, sonhadoras e lindas. À frente de seu tempo. Os mocinhos devem ser panacas que ficam fazendo todas as vontades delas. E precisa aquele anti-mocinho, aquele playboy, filho do prefeito ou do senhor de engenho, que fica tentando roubar a mocinha do herói.
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6) Trilha sonora da moda pode ser combinada com sucessos do passado: experimente juntar “artistas-revelação”, com algum “sucesso do momento”, com um artista da MPB das décadas de 70 ou 80, cantando alguma regravação mais antiga ainda que ele... O tema de abertura DEVE ser da segunda opção.
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7) Um grupo de crianças sabichonas (e mal educadas, dessas que dizem e fazem o que querem sem repreensões) sempre vai bem. Aliás, se houver um crime, é praxe que elas o desvendem.
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8) Um velhinho ou velhinha, rico(a), ou que não saiba ainda que é rico(a), pode ajudar. Primeiro, este(a) deve assustar as crianças. Depois, as crianças devem se aproximar e criar laços de amizade com o(a) velhinho(a). Quando ele(a) virar gente rica, deve por as crianças em seu testamento.
9) Poderia haver um bilhete premiado de loteria, mas aí pareceria “muito anos 80”.
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10) Assassinatos devem sempre ser light. Nunca exiba a cena “em detalhes”, nem use molho de tomate (nem use os tomates como assassinos).
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11) A mocinha deve suportar resignada todas as desgraças, todas as ofensas, sempre com um sorriso simpático no rosto, e palavras doces na boca. Ainda que o primo cafajeste lhe venda no mercado de escravas brancas (sim, é a cor padrão da mocinha), esta deve perdoá-lo sempre.
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12) Os ideais (as vontades) da Globo devem sempre ser respeitados. Isso inclui a torpe noção de Justiça e Direitos Humanos. Por exemplo, uma família de escravos pode ser humilhada (até a morte!) pelo filho do senhor de engenho, mas o mocinho não deve NUNCA machucá-lo! MESMO QUE A HISTÓRIA SE PASSE NOS SERTÃO SEM LEI DOS ANOS 20! Uma mocinha pode ser violentada e morta pelo playboy filho do fazendeiro, e seus irmãos menores esquartejados, mas o pai NUNCA deve tomar a justiça em suas mãos! Este deve sempre ressaltar que a LEI, e a JUSTIÇA BRASILEIRA, prevalescerão! Esta é a idéia. Se o tema é o cangaço, os cangaceiros devem ser caricatos: galantes, moderados,  comprometidos com o “direito à vida”; ou então parvos, bobocas e puxa-sacos do chefe. Os prefeitos e delegados devem por obrigação serem corruptos e perversos. Jagunços devem sair sempre impunes no final, afinal, são ‘vítimas”. Não importa que tenham trucidado meio mundo, que tenham espancado alguém até a morte a mando do chefe, eles saem como vítimas. Nas novelas das 6, a Justiça funciona, e a LEI prevalesce!
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