quarta-feira, 2 de julho de 2014

28 de Novembro, Dia do Mendigo

Ser mendigo é negócio. É um ótimo negócio. Quer ver?
Suponhamos que um mendigo (em um local movimentado) peça 5 centavos para cada uma das pessoas que passam. Claro que nem todas darão. Algumas sequer irão olhar para ele. Mas o brasileiro em geral é um povo de coração mole, e os mendigos sabem disso. Imagine que, de cada 10 pessoas assediadas, 2 ou 3 ajudem. O mendigo faz caras e bocas, conta uma mini-história triste, e pede 5 centavos. NINGUÉM dará 5 centavos. Nem mesmo os mais mortos-de-fome (entre os que ajudam) dariam tão pouco. Alguns darão as moedas que têm na carteira, outros darão 1, 2 ou mesmo 5 reais. Claro que, dependendo da “atuação” do pedinte (ele precisa convencer), pode rolar uma de 10 ou mesmo uma de 20.
Algumas pessoas dão mais pela auto-salvação da alma do que por caridade. Alguns não se preocupam com o que o mendigo vai comer (ou se vai beber cachaça), mas sim com o “imenso bem que fizeram” (a seus egos, logicamente).
Se o pedinte (na frente de uma grande loja de uma rede de comércio de alimentos) insistir, ele vai se dar bem. Veja só.
Supondo que algumas pessoas dessem realmente os 5 centavos que ele pediu, e supondo que de um fluxo de 1000 pessoas por hora entrando e saindo do mercado, 10% ajudassem, teríamos 100 pessoas por hora ajudando, cada uma com 5 centavos. São R$ 5,00. Aí você pergunta: Só R$ 5,00 por uma hora??? Sim! É mais do que muito nordestino ganha! Seriam R$ 40 ao final do dia, e R$ 200,00 ao final da semana (trabalhando 8hs/dia e 5dias/semana). No fim do mês, o sujeito teria R$ 800,00. Um bom dinheiro pra alguém que não tem vínculo empregatício, não acha?
Com uma família grande, não daria grande coisa mesmo né?! Mas imagine cada membro da família envolvido na função! Se tem 4 pessoas, seriam 4 x r$ 800,00!!! Aí, imagina se o vivente resolve trabalhar no sábado???!!!
Agora vem o melhor: NINGUÉM DÁ APENAS 5 centavos!!! Ninguém! Um mendigo humilde sabe que vale a pena pedir o mínimo para despertar a pena da vítima. Isso é jogada de marketing. E funciona!
Ah! E tem mais uma coisa... Quem disse que é regra que apenas 10% dos assediados ajudam??? Heim???!!!


Por isso, elaborei o

MANUAL DO MENDIGO URBANO
(Por Betinho PQD)


1)      NÃO TENHA VERGONHA. Não tenha dignidade ou pudores, seja cara de pau, seja malandro. Peça mesmo, em bom português. Não fique rodeando. Ou seja, não tenha vergonha na cara.
2)      GIGOLÔ DE MENDIGO NÃO! Não aceite conselhos de “entendidos”, nem agenciamento de “empresários”, nem mesmo exponha sua profissão a outros oportunistas. Não deixe opinarem em seu trabalho. Geralmente, eles se achegam com o único intuito de explorar o seu suor em favor próprio.
3)      ESCOLHA O CAMPO DE ATUAÇÃO. Atue em um lugar movimentado, de preferência freqüentado por gente da classe média alta. Perto de um supermercado é bom, mas o ideal seria próximo a um Zaffari ou um hiper do Big. Escolher o melhor lugar pode fazer a diferença entre ganhar R$ 100,00 ou R$ 5000,00.
4)      CONHEÇA O TERRENO. Conhecer o local onde se trabalha pode ser muito útil. Saber onde o fluxo de pedestres é maior, onde há comércio de supérfluos (quem compra supérfluos fica sem desculpas pra não ajudar um pobre mendigo), enfim, saber onde encontrar recursos vitais, tais como uma rota de fuga ou um esconderijo (a gente nunca saba quando a puliça ou um mendigo concorrente vão querer nos espancar.
5)      FIGURINO ADEQUADO. Independentemente de estilo e de marca, use roupas surradas. Mendigo com roupas boas e limpas não é de bom tom, pois as pessoas pensam que é apenas um trabalhador que foi assaltado ou um migrante do interior que foi enganado por algum golpista, e esses NINGUÉM AJUDA MESMO. Tenha em mente que um visual deplorável vai causar mais impacto nos clientes, e estes geralmente gostam de se sentirem superior ao pedinte. OUTRA COISA: Nada de perfume da Avon! Nem mesmo talco. MENDIGO TEM QUE FEDER!!! O negócio é simples: se você não fede, você não convence. Imagine dois mendigos, cada um assediando uma moça rica que está saindo do Zaffari em direção a seu Peugeot do ano. Um deles fede, e o outro ta xerozim. Advinha qual deles vai ganhar um troco mais rápido??? Isso mesmo. A pressa em se livrar da “odorosa compania” vai fazer com que a moça assediada pelo fedegoso libere a prata mais rápido do que a outra. Portanto, feda! E ponto final.
6)      QUÁU É O POBREMA? Linguagem clara não quer dizer português padrão. Mendigo falando como doutor assusta e não causa efeito. Diga “meus pobrema”, “ai minha ursa no istrômo!”, “meus déiz fio tão cum fome”, “tenho mêdu di istrúpo!” e coisas assim. As pessoas vão achar normal, e ainda se sentirão “por cima”.
7)      FALSO BÊBADO. É bem simples: beba, mas não beba. Beber não é negócio, pois tira todo o seu lucro. Abstenha-se da bebida e você economizará horrores. Contudo, você precisa PARECER um bêbado, ou do contrário ninguém te dará nada. Ninguém dá dinheiro a uma pessoa que está realmente com fome, ou a um pai de família que perdeu a carteira. Já pra um bebum, a ajuda vem a cavalo. Isto porque as pessoas sabem que, se não ajudam o bêbado, ele pode querer ficar na cola, ou pior: pode querer contar uma história triste, daquelas que não têm mais fim. Dê alguns goles apenas para ficar com bafo, mas não abuse!
8)      CARRO NÃO É STATUS! Fique longe do chamado “pão-duro”. “Pão-duros” não ajudam ninguém, nem a eles próprios. E a regra é clara: quanto mais grana, mais morto-de-fome! Por isso, não assedie o cara que desceu da Ferrari Testarossa, ou do Lamborghini – eles não te darão NADA!, nem mesmo uma moeda. Já a menina que tem um Citröem com a porta amassada, ou o senhor que leva o cachorro na Hyundai, estes são possíveis clientes mais generosos. Pelo menos costumam ser! (lembre-se: nada é exato nesta ciência!).


(Obs.: Para aqueles que não perceberam a ironia, eu aviso que isso é uma crítica, e não uma “solução”. Aquele que generaliza e esculacha o mendigo sem saber nada sobre suas mazelas é tão inútil à sociedade quanto aquele que apesar da boa saúde prefere ser uma “vítima” e ter ganho fácil).