Ser
mendigo é negócio. É um ótimo negócio. Quer ver?
Suponhamos que um mendigo (em um local movimentado)
peça 5 centavos para cada uma das pessoas que passam. Claro que nem todas
darão. Algumas sequer irão olhar para ele. Mas o brasileiro em geral é um povo
de coração mole, e os mendigos sabem disso. Imagine que, de cada 10 pessoas
assediadas, 2 ou 3 ajudem. O mendigo faz caras e bocas, conta uma mini-história
triste, e pede 5 centavos. NINGUÉM dará 5 centavos. Nem mesmo os mais
mortos-de-fome (entre os que ajudam) dariam tão pouco. Alguns darão as moedas
que têm na carteira, outros darão 1, 2 ou mesmo 5 reais. Claro que, dependendo
da “atuação” do pedinte (ele precisa convencer), pode rolar uma de 10 ou mesmo
uma de 20.
Algumas pessoas dão mais pela auto-salvação da alma do
que por caridade. Alguns não se preocupam com o que o mendigo vai comer (ou se
vai beber cachaça), mas sim com o “imenso bem que fizeram” (a seus egos,
logicamente).
Se o pedinte (na frente de uma grande loja de uma rede
de comércio de alimentos) insistir, ele vai se dar bem. Veja só.
Supondo que algumas pessoas dessem realmente os 5
centavos que ele pediu, e supondo que de um fluxo de 1000 pessoas por hora
entrando e saindo do mercado, 10% ajudassem, teríamos 100 pessoas por hora
ajudando, cada uma com 5 centavos. São R$ 5,00. Aí você pergunta: Só R$ 5,00
por uma hora??? Sim! É mais do que muito nordestino ganha! Seriam R$ 40 ao
final do dia, e R$ 200,00 ao final da semana (trabalhando 8hs/dia e 5dias/semana).
No fim do mês, o sujeito teria R$ 800,00. Um bom dinheiro pra alguém que não
tem vínculo empregatício, não acha?
Com uma família grande, não daria grande coisa mesmo
né?! Mas imagine cada membro da família envolvido na função! Se tem 4 pessoas,
seriam 4 x r$ 800,00!!! Aí, imagina se o vivente resolve trabalhar no
sábado???!!!
Agora vem o melhor: NINGUÉM DÁ APENAS 5 centavos!!!
Ninguém! Um mendigo humilde sabe que vale a pena pedir o mínimo para despertar
a pena da vítima. Isso é jogada de marketing.
E funciona!
Ah! E tem mais uma coisa... Quem disse que é regra que
apenas 10% dos assediados ajudam??? Heim???!!!
Por isso, elaborei o
MANUAL DO MENDIGO URBANO
(Por Betinho PQD)
1) NÃO TENHA VERGONHA. Não tenha dignidade ou pudores,
seja cara de pau, seja malandro. Peça mesmo, em bom português. Não fique
rodeando. Ou seja, não tenha vergonha na cara.
2) GIGOLÔ DE MENDIGO NÃO! Não aceite conselhos de “entendidos”,
nem agenciamento de “empresários”, nem mesmo exponha sua profissão a outros
oportunistas. Não deixe opinarem em seu trabalho. Geralmente, eles se achegam
com o único intuito de explorar o seu suor em favor próprio.
3) ESCOLHA O CAMPO DE ATUAÇÃO. Atue em um lugar
movimentado, de preferência freqüentado por gente da classe média alta. Perto
de um supermercado é bom, mas o ideal seria próximo a um Zaffari ou um hiper do
Big. Escolher o melhor lugar pode fazer a diferença entre ganhar R$ 100,00 ou R$
5000,00.
4) CONHEÇA O TERRENO. Conhecer o local onde se trabalha
pode ser muito útil. Saber onde o fluxo de pedestres é maior, onde há comércio
de supérfluos (quem compra supérfluos fica sem desculpas pra não ajudar um
pobre mendigo), enfim, saber onde encontrar recursos vitais, tais como uma rota
de fuga ou um esconderijo (a gente nunca saba quando a puliça ou um mendigo
concorrente vão querer nos espancar.
5) FIGURINO ADEQUADO. Independentemente de estilo e de
marca, use roupas surradas. Mendigo com roupas boas e limpas não é de bom tom,
pois as pessoas pensam que é apenas um trabalhador que foi assaltado ou um
migrante do interior que foi enganado por algum golpista, e esses NINGUÉM AJUDA
MESMO. Tenha em mente que um visual deplorável vai causar mais impacto nos
clientes, e estes geralmente gostam de se sentirem superior ao pedinte. OUTRA
COISA: Nada de perfume da Avon! Nem mesmo talco. MENDIGO TEM QUE FEDER!!! O
negócio é simples: se você não fede, você não convence. Imagine dois mendigos,
cada um assediando uma moça rica que está saindo do Zaffari em direção a seu Peugeot
do ano. Um deles fede, e o outro ta xerozim. Advinha qual deles vai ganhar um
troco mais rápido??? Isso mesmo. A pressa em se livrar da “odorosa compania”
vai fazer com que a moça assediada pelo fedegoso libere a prata mais rápido do
que a outra. Portanto, feda! E ponto final.
6) QUÁU É O POBREMA? Linguagem clara não quer dizer
português padrão. Mendigo falando como doutor assusta e não causa efeito. Diga
“meus pobrema”, “ai minha ursa no istrômo!”, “meus déiz fio tão cum fome”, “tenho
mêdu di istrúpo!” e coisas assim. As pessoas vão achar normal, e ainda se
sentirão “por cima”.
7) FALSO BÊBADO. É bem simples: beba, mas não beba. Beber
não é negócio, pois tira todo o seu lucro. Abstenha-se da bebida e você
economizará horrores. Contudo, você precisa PARECER um bêbado, ou do contrário
ninguém te dará nada. Ninguém dá dinheiro a uma pessoa que está realmente com
fome, ou a um pai de família que perdeu a carteira. Já pra um bebum, a ajuda
vem a cavalo. Isto porque as pessoas sabem que, se não ajudam o bêbado, ele
pode querer ficar na cola, ou pior: pode querer contar uma história triste,
daquelas que não têm mais fim. Dê alguns goles apenas para ficar com bafo, mas
não abuse!
8) CARRO NÃO É STATUS! Fique longe do chamado “pão-duro”.
“Pão-duros” não ajudam ninguém, nem a eles próprios. E a regra é clara: quanto
mais grana, mais morto-de-fome! Por isso, não assedie o cara que desceu da
Ferrari Testarossa, ou do Lamborghini – eles não te darão NADA!, nem mesmo uma
moeda. Já a menina que tem um Citröem com a porta amassada, ou o senhor que leva
o cachorro na Hyundai, estes são possíveis clientes mais generosos. Pelo menos
costumam ser! (lembre-se: nada é exato nesta ciência!).
(Obs.: Para aqueles que não perceberam a ironia, eu
aviso que isso é uma crítica, e não uma “solução”. Aquele que generaliza e
esculacha o mendigo sem saber nada sobre suas mazelas é tão inútil à sociedade
quanto aquele que apesar da boa saúde prefere ser uma “vítima” e ter ganho
fácil).