Uma
Única Ovelha Sacrificada
Vou
ser breve. Sem rodeios. Neste país de modinhas, a bola da vez é uma menina
comum. Ela foi demonizada após aparecer em uma gravação de vídeo chamando um
jogador de futebol de “macaco”. O vídeo não tem som. Mas os “entendidos” de
leitura labial garantem: Ela disse mesmo “macaco”.
Aí
eu pergunto: ela gritava sozinha?
Sabemos
que o racismo é um retrocesso; é irracional; é crime e tem um bom motivo para
sê-lo. Sabemos que racismo não tem mais lugar no mundo contemporâneo, tanto
pelo absurdo de sua justificativa, quanto pela ampla presença de diferentes biotipos
em todas as sociedades atuais.
Aqui
no Sul, há uma cultura histórica peculiar de rivalidade entre Grêmio e
Internacional. No início de sua história, e de forma exatamente igual a de
muitos outros clubes, nenhum dos dois aceitava jogadores negros. O
Internacional foi o primeiro do Sul a incorporar afrodescendentes na equipe,
enquanto o Grêmio ainda mantinha as mesmas reservas da maioria dos outros
clubes de futebol brasileiros do início do século XX. Por essa razão, através
da história, os torcedores negros preferiam, majoritariamente, torcer para o
colorado. Sempre foi assim, e me lembro disso. Até meus vinte anos de idade, eu
nunca havia conhecido um afrodescendente que fosse torcedor do Grêmio. Hoje até
conheço alguns poucos.
O
racismo é histórico, e permeia todas as culturas, em diversas formas: de
brancos para negros, de mulatos para negros, de mulatos para índios, de
israelenses para árabes, de europeus e norte americanos para latinos, de
chineses manchus para hans, de brasileiros para argentinos, de gente bonita para
gente dita “feia”. E não me venha com sua famosa frase: “o racismo depende de
relações de poder”. Vá à merda, isso não se aplica aqui.
Venho
falar desse seu novo sacrifício, em honra de uma “consciência limpa”, mas tão
ineficaz quanto todas as suas opiniões. Venho falar de uma “necessidade de
punição”, de uma “justiça exemplar”, que é tão retrógrada quanto o próprio
racismo, devido à sua irrisória aplicabilidade.
Explico:
A
menina foi flagrada em ato racista, ok. Ela errou sim, ok. Mas e os demais
torcedores do Grêmio, naquele dia, e os de vários outros clubes, em outros
momentos, QUE FAZEM E SEMPRE FIZERAM A MESMA COISA? Não serão punidos também?
Naquele mesmo dia, quantos dos torcedores do Grêmio NÃO GRITAVAM A MESMA COISA,
NA MESMA HORA, COM A MESMA VONTADE?
Acho
uma tremenda hipocrisia, desse Estado nojento que é o Brasil, punir um para
servir de exemplo aos demais. Ou se pune TODOS, ou não se pune NENHUM, cacete!
Seria a mesma coisa que punir severamente o fogueteiro, apenas para intimidar
os demais criminosos, na falha esperança de que eles não cometam mais crimes.
Como
é comum nesta terra de chimpanzés em frenesi (e refiro-me aqui a TODOS os
brasileiros, de todas as cores), apedrejaram
a casa da menina (que, creio eu, não mora sozinha, e sim com uma família!),
arriscando assim promover uma desgraça bem maior; achincalharam a imagem dela em todas as mídias, causando risco de
vida para ela em qualquer lugar que ela vá; tiraram-lhe o emprego, de forma impulsiva, paliativa e aleatória,
pra não dizer vergonhosa; e, porfim, querem
puni-la com uma pena exemplar, coisa que não se aplica a muitos bandidos (desses
que ameaçam a ex-companheira, ou que tocam o terror nas vilas). É o máximo da
hipocrisia nesta terra de ninguém. É quase uma piada. Mas vá lá. Os engajados
grupos de defesa dos direitos destes, e dos direitos daqueles querem mesmo é
isso: punições exemplares! Nada de ressocialização, de reeducação... Punição!
Nesta
piada de país, pode-se matar à vontade; pode-se violentar à vontade; se pode
tudo! Se o agente é menor, bom pra ele! Aí pode tudo e mais um pouco. Mas dizer
A ou B, ferir o “politicamente correto”, atentar contra os ideais da “nação
modelo”... Isso não pode!
Gente,
eu não estou defendendo o racismo. Jamais! Estou protestando contra os
excessos. Eu, justo eu, que sou extremista nessa questão de punição: defendo o
porte de armas para todos; defendo a pena de morte; defendo o direito do
policial se defender respondendo fogo contra fogo... Eu acho isso que estão
fazendo contra a torcedora UM EXCESSO! E olha que ela faz parte de uma torcida
que, inclusive, grita ofensas contra mim!
Através
dos anos, TODOS NÓS, COLORADOS, FOMOS CHAMADOS DE MACACOS. Alguns de nós (eu,
inclusive) cantamos com orgulho o bordão: “Ah, eu sou macaco!”. Sim,
transformamos a antiga ofensa em algo positivo, algo pejorativo em algo bonito.
Digo isso porque EU CANTO COM ORGULHO: “AH, EU SOU MACACO!”.
TODOS
OS SERES HUMANOS, SEM EXCESSÃO, SÃO MACACOS! TODOS!
Sim,
eu vim aqui defender a menina gremista. Não estou defendendo o direito dela ser
racista. Não estou defendendo o costume racista da torcida (de várias torcidas
e pessoas em geral). Estou defendendo o direito dela ser cidadã, de ser punida justamente;
de ser parte de algo; de ter isonomia. Querem punir? Punam toda a torcida. Ou
não punam ninguém, seus hipócritas de merda!
A
conduta dela foi sim vergonhosa. Igualmente a dos que a cercavam. Igualmente a
de todos os torcedores do Grêmio através dos anos. Igualmente a de todos os
racistas. Crucifiquem-na agora, e suas consciências ficarão em paz por um
tempo. Punam os bombeiros que “causaram” as mortes em Santa Maria, e suas
consciências ficarão em paz por um tempo. Punam qualquer um que sirva de
exemplo, e suas consciências ficarão em paz. Por um tempo.
Não. Não dá pra admitir
isso. Justiça é uma coisa. Justiça teatral é outra bem diferente. Julgamento
justo é uma coisa. Achincalhamento, ameaça, agressões e crucificação, é outra
bem diferente. Raciocinem enquanto lhes resta algum cérebro. Ou serão para
sempre macacos! (refiro-me a todos vocês, de todas as cores).
Nenhum comentário:
Postar um comentário